quarta-feira, 15 de outubro de 2014

VALÉRIA A RAINHA DA ALEGRIA

NinoBellieny

A RAINHA DA ALEGRIA FOI EMBORA PARA OUTRO LUGAR

Intensidade. Capacidade de dar a algo, a alguém ou a uma atitude, forças suficientes ou até mesmo desmedidas, para que a ação seja forte e de impacto.  Como a arte de viver exige e nem todos possuem.  Valéria Silva foi assim até os seus penúltimos dias de viajante deste planeta. Ria como quem quebrasse cristais e regras, falava como quem sabia ser a última chance de dizer, viveu como se não houvesse outra receita senão a da alegria, mesmo ouvindo o toc-toc da dor na porta.
Valéria sabia o quanto valia e não valia pouco. Passava longe das convenções, embora soubesse todas as etiquetas, entendesse de vinho e queijos, jantares e festas. Organizava uma recepção com o difícil requinte da simplicidade e simplificava com elegância. Ria, ria muito, de mostrar todos os dentes, de irradiar raios solares em todas as direções.
Olhar de Raios-X, via por dentro e através, em segundos dectava quem era quem.
Tristeza durava algumas horas, raiva alguns minutos, explodia e tudo voltava ao normal, assim sem terra arrasada, o jardim reflorindo outra vez. O peito era um oceano onde barcos de mágoa não navegavam. Não plantava para colher imediatamente, não ajudava para ser agradecida, era grata por ajudar. Enfermeira graduada, com 7 especializações, deixou tudo e foi para a Bolívia cursar Medicina, sonho antigo tornando-se  quase possível. Uma súbita doença, a trouxe de volta.




Não carregou nas malas, amarguras, revoltas, injustiças pelo sonho interrompido. Veio para lutar. Veio para ficar. Uma vez em Roma, faz pouco tempo, olhando para as rúinas da Cidade Eterna, entendeu o quanto tudo era passageiro e ao mesmo tempo definitivo. Do alto da Torre Eiffel em Paris, lembrou-se da infância em Itaperuna, da batalha da mãe guerreira para que nunca lhe faltasse nada. Mãe-Furacão em nível máximo,  Mãe- Ivonete, a recebê-la com os braços protetores, cuidando dela até o último sinal vital. Os filhos João e Mariana, a cachorrinha Chica, a amiga-irmã Josie Nega,  o amigo Zé Augusto Braga, os tios, as primas, os amigos, desfilaram em sua mente feito fogos de artifício em noites de São João. Lentamente a tela foi apagando as cores e uma outra dimensão se abriu. A Rainha da Alegria começava uma nova viagem acima dos continentes e oceanos, longe dos espinhos e bem perto das rosas.
A Lua cheia sorria como o sorriso de Valéria. O Rio Muriaé, minguando entre as pedras, murmurou para Valéria e quando amanheceu, o chão recebeu apenas a embalagem chamada de corpo. O passarinho de seu espírito, já há muito voava na direção de Deus.




2 comentários:

  1. Sem palavras e muitas lágrimas. Você discorreu sobre Valéria sem faltar nenhum detalhe, nenhuma nuance de seu temperamento singular. Ninguém foi como ela, ninguém será como ela. Sabe Nino, tive e estou tendo uma dificuldade enorme em aceitar sua partida, não consegui ainda ficar um dia sem chorar. Não tive coragem de despedir-me dela, não tive coragem de dar-lhe meu último beijo...Nossa, nos beijamos tanto ao longo de nossas vidas! Ela sempre foi extremamente carinhosa, afetuosa, de gostar de tocar, abraçar e beijar quem amava e eu sou exatamente assim, então nossos encontros eram esfuziantes, repletos de segredos, desde os tempos de meninas, recheados de beijos estalados, mãos entrelaçadas, risadas escandalosas. Seu filho João foi meu filho de coração por longos anos, a vida às vezes impõe distâncias , mas os sentimentos se fortalecem. Amo João e Mariana intensamente. Valéria sempre ouviu de mim: Morro de inveja de sua coragem frente à vida! Sempre disse isso pra ela e ela morria de rir, me dizia: Prima, você sempre foi medrosa né? E dava um sorriso suave ( o que nem era muito dela) como se estivesse me consolando . Passamos muitas e muitas noites em claro, em nossa juventude, quando ela vinha do Rio passar férias em minha casa, e essas noites ficaram inesquecíveis para nós. Nos entendíamos muito bem, nos amávamos, tenho certeza disso.Não tenho coragem de abraçar minha tia, não tenho coragem de ver as crianças. Covardia? Sim, assumo. A dor é grande, latente, cruel. Nunca aceitei bem a morte, ainda mais a dela, que sei dos sonhos, da vontade de ser médica forense, e se não fosse a doença, seria e desempenharia com louvor, como tudo a que se propôs na vida.A última vez que nos vimos, foi via webcam, pelo skipe, ela chorou demais e eu idem, sempre choramos muito, a emoção sempre foi nossa marca registrada. Ela andou com a cam pela casa e me mostrou o pôr do sol em Santa Cruz de la Sierra, falando espanhol e eu morrendo de rir rsrs...Era uma Valéria feliz, cheia de planos, sonhos e projetos. Foi nossa última vez, dias antes dela vir embora. Ainda me disse que viria no Brasil só em 2015, que estava estudando muito pra ser a melhor. Nossa última vez juntas foi assim. A saudade e o inconformismo me atropelam todos os dias. Atravesso a ponte, e a vejo. Passo pela 1º de maio, lá está ela. Abro minhas imagens, tem um monte de foto dela que vejo inúmeras vezes por dia. Vem um filme infantil em minha memórias e lá está ela, tentando me ensinar andar de velocípede rs...ela armando as brincadeiras mais arriscadas e eu sempre: Valerinha, isso não, a tia vai zangar! Ela ousada, absurdamente ousada, sempre foi e fez acontecer. Ficaria aqui dias e noites escrevendo , escrevendo, mas paro agora, não consigo mais visualizar as letras do teclado. Não podia ter sido assim. Não com ela.

    Adma Pillar
    em 15 de outubro de 2014
    15 de outubro de 2014

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  2. Extraordinariamente belo o seu texto, Adma! Escrito com tinta de sangue.
    NB

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