sábado, 5 de julho de 2014

ATAQUE DE PITBULL

DE HOMENS E CÃES

NinoBellieny

É de manhã, num dia de feira qualquer. O sol se espalha pela praça e se espelha nas poças d’água formadas na depressão do piso. O homem distinto e bem vestido caminha em direção à Igreja. Escorrega no passo apressado e desaba com os seus cento e vinte quilos. É acompanhado por estertores imediatos. O chacoalhar do cérebro ao repicar no mármore disparou impulsos e o corpanzil treme, gira, se debate. Logo se forma uma multidão em torno e ninguém tem coragem de chegar perto. 

São segundos de agonia e espetáculo para comodistas e medrosos. Rapazes filmam, meninas narram a cena pelo celular. Risos, piadas e o homem agora nem um pouco distinto, não se mexe mais com a mesma intensidade… a boca e o nariz estão inteiros dentro d’água. Vai morrer afogado e sua morte será mais tarde vista por milhões na internet.

Até surgir de modo brusco e misterioso um enorme cão. É um pitbull. Já está próximo ao homem. Parte da multidão se excita: a fera vai completar o espetáculo estraçalhando o quase afogado. Outra parte parece despertar do transe e quer impedir.

O cão não se intimida. As duas poderosas patas  dianteiras reviram o corpo caído na exata hora do afogamento. Lambe o rosto da vítima. O sujeito volta a respirar, está salvo. O povo engole o próprio silêncio e a vergonha. O pitbull permanece majestoso por alguns instantes e depois se afasta lentamente num gingado marrento e heroico. 

Desaparece dentro da fumaça negra de um ônibus na movimentada rua, como um anjo de quatro patas.
Na praça a multidão se dispersa. Não há risos nem piadas. Só olhos cabisbaixos e ombros arriados como sempre.


2 comentários:

  1. Pude ver a cena...mais uma do ser humano que esperava que o cão o atacasse pra depois transformá-lo no vilão ... e não aqueles que nada fizeram! Coisas de "cão",e, como eles se doam! Amuuuu rs

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  2. Parabéns, Nino, excelente narrativa escrita com a caneta da emoção e por isso nos puxa para a cena, em que vemos e participamos dos detalhes: homem/igreja/tombo/"hienas" que nada fazem, riem com aquele seu jeito asqueroso/pitbull, anjo de patas, o "temido" "salvador". Gesto simples "humanizado" que deixa todos de patas arriadas.Lindo!!!

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