sexta-feira, 23 de maio de 2014

O INFARTO DO CICLISTA

PEDALA, JOÃO, PEDALA

NinoBellieny


CAPÍTULO I
João tem muita coisa a fazer e já é quase meio-dia. Pedala vigorosamente a velha e fiel bicicleta, para ganhar tempo. De repente, sente uma pontada no peito, a vista nubla-se, mas, aconteceu isso outras vezes e não pode parar, o trabalho, a família, os compromissos. João prossegue nas pedaladas. Logo vai chegar aonde quer.

Beth tem pressa, há muita coisa pra fazer e já é quase meio-dia.

Geraldo está ocupado. Sentado em uma lanchonete, a ocupação é a de beber lentamente uma geladinha, antes do almoço.

Cláudia Helena vem ansiosa do trabalho.

CAPÍTULO II

João sente nova pontada, mais forte agora. Os olhos enxergam o mínimo, a cabeça roda, o cansaço é grande e a sudorese é intensa. Para de pedalar, desce da bicicleta com dificuldade, senta-se na calçada de um bar, o coração treme, dói intensamente o peito, não consegue respirar...

Beth vê aquele homem de 40 e poucos anos caindo. Nota de imediato ser algo sério. Se aproxima para ajudar.

Geraldo olha o sujeito, pensa ser mais um que bebeu demais e vai dormir ali mesmo na calçada em frente.

Cláudia  Helena nem se dá conta do indivíduo caído do outro lado da rua. Tem contas a pagar, filhos a mandar para a escola, a comida deve ser requentada e o marido anda nervoso com tudo, precisa chegar rápido à casa.

CAPÍTULO III
João perde os sentidos, está agonizando. O último pensamento é  para a família, em segundos rodou o filme da vida e ele nem sequer tinha sido o protagonista que desejara ser. O roteiro se acabaria sem adeus nem The End.

Beth pergunta se alguém fez alguma coisa.  Um homem diz ter ligado para o pronto-atendimento. Ela não espera, e liga para os serviços de socorro, todos os que conhece. Acha, que, se eles chegarem a tempo, algo pode ser feito. Se desespera, se indigna. O tempo parece parar, como a respiração do homem ao chão.

Geraldo, levanta-se, paga a cerveja e sai assobiando.

Cláudia Helena olha a cena, a mente está longe, o celular toca, deve ser a chata da sogra.

FINAL
João morre sem socorro

Beth foi a única a preocupar-se. Arrasada, triste, sente-se impotente e frágil, não reconhece mais a cidade onde nasceu, cresceu e vive

Geraldo já saiu da história faz tempo. Foi pra casa, esperar Cláudia Helena, sempre atrasada, nervosa, feia como nunca fora. Estava na hora de trocar de vez de mulher, pensa enquanto assovia o lepo-lepo

Cláudia Helena pega o ônibus, quer chegar em casa antes do marido Geraldo, chato e reclamão

Os carros continuam passando, motoristas botam o pescoço para fora, o corpo de João na calçada, curiosos se multiplicando,  muitos culpam a prefeitura, o governo estadual e o federal, um homem faz comício acusando a tudo e a todos

João não sente mais dores. João é agora mais um na longa listagem dos mortos pelo descaso. Um número a mais rabiscado pela indiferença pública, a soma sem fim da banalização, o final sem ponto final


A NOTÍCIA...
http://radioitaperuna1410.blogspot.com.br/2014/05/homem-morre-na-porta-de-restaurante.html

2 comentários:

  1. Muita gente clama pela saúde do nosso Brasil. Muita gente é contra a Copa do Mundo no Brasil, porém comemorou quando fomos anunciados ser a sede e com certeza irá sair do trabalho, mais cedo, para assistir e gritar o nome Brasil.
    Infelizmente muita gente esquece de praticar a solidariedade. E esquece que para acertarmos nosso pais temos que nos acertar primeiro.

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  2. Obrigado por seu comentário, sempre muito lúcido, caro Ademar.

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